Um dos grandes equívocos que muita gente tem em relação ao Ayurveda e à alimentação ayurvédica é achar que vai precisar viver como os indianos viviam há 4 mil anos atrás. Em meus cursos, essa costuma ser uma pergunta recorrente – e eu adoro quebrar esse paradigma. Isso porque nós evoluímos com o passar do tempo, e o Ayurveda como conhecimento genuíno da vida, é atemporal, e seus ensinamentos hoje são totalmente adaptáveis estilo de vida e alimentação natural modernos. As dúvidas sobre alimentos específicos também são recorrentes em meu curso. Então, periodicamente, eu vou trazer materiais dedicados a falar de um tipo de alimento, suas características e usos dentro do Ayurveda. E para começar, que tal adoçar a vida com um pouco de mel puro?
Não é de hoje que o mel tem um lugar cativo em nossas casas. Utilizamos esse doce néctar não apenas como adoçante, mas também como remédio por nossas mães, avós, bisavós e demais gerações anteriores. Afinal, quem nunca tomou uma colherada de mel misturado com algumas gotas de limão de sua mãe ou avó quando resfriado na infância?
Pois bem, o mel é um dos mais famosos remédios ayurvédicos. Sua qualidade adocicada é frequentemente relacionada à bondade amorosa, compaixão e contentamento. Isso também se reflete na capacidade que o mel tem de intensificar e transportar as substâncias de outras ervas para o interior mais profundo de nossos tecidos. E, claro, o mel puro também tem uma importante influência no nosso agni – ele aumenta o nosso fogo digestivo.
Se a famosa personagem da Disney, Mary Poppins, cantava que uma colher cheia de açúcar deixava tudo melhor, eu gostaria de trocar por uma colher de mel puro. Isso porque os adoçantes em geral – açúcar branco, açúcar de coco, estévia e afins – possuem qualidades frias. Quando ingeridos após as refeições, acabam esfriando o fogo digestivo. Porém, o mel traz uma diferença: ele é doce, mas possui energia quente, se consumido com mais de seis meses de colhido, o que faz dele único.
Mesmo sendo pesado, ele pode tornar outras substâncias mais leves. Tudo isso graças às suas qualidades secas e adstringentes. Observação importante: O mel fresco, não pasteurizado, colhido há menos de seis meses, tem energia refrescante, podendo ser consumido por Pitta Dosha. Já o mel antigo, com mais tempo de colheita não é indicado para esse dosha, podendo agravar seu estado.
Isso faz dele uma excelente opção para pessoas com Kapha predominante, pois essa qualidade estimulante do mel puro ajuda a diminuir a letargia de Kapha. Uma boa xícara de chá de hortelã, seguida de uma colher de chá de mel direto à boca, é a sobremesa perfeita para essas pessoas. Lembrando que tudo para Kapha, em se tratando do sabor doce, precisa ser em pequena quantidade. Do mel, o Kapha se favorece da sinergia do sabor adstringente, precisando apenas de uma pequena quantidade para ser efetivo. Por outro lado, quem estiver passando por uma onda de calor ou estiver com Pitta agravado deve abrir mão do mel velho, colhido há mais de seis meses, justamente por suas qualidades quentes. Nessa situação ele pode trazer sensação de queimação e desconforto estomacal.
Cuidados na hora de comprar e consumir
A esta altura você já deve estar procurando onde está o mel da sua casa, pesquisando receitinhas com mel ou colocando este item na sua lista de compras. Mas eu quero chamar sua atenção para um detalhe: para obter todos os benefícios deste néctar é preciso prestar atenção em alguns detalhes importantes.
O principal deles é que o mel deve ser fresco e cru, e não pasteurizado. Ao passar pelo processo de pasteurização, o mel acaba sendo aquecido e depois, rapidamente resfriado. E o que ele tem de benéfico enquanto frio, passa a ser quase venenoso após aquecido. E assim como devemos evitar o mel pasteurizado, também devemos evitar aquecer o mel cru. Isso porque o mel, quando aquecido, por sua composição rica em açucares reduzidos (glicose e frutose) e pela elevada acidez do produto, que atinge pH de cerca de 4, ocorrem reações de desidratação desses açúcares, gerando diversos outros compostos. E alguns deles são potencialmente tóxicos, como o HMF (hidroximetilfurfural). O HMF está relacionado à formações de tumores e ao câncer.
Quando colocamos mel em alguma receita quente, como um bolo, por exemplo, essa toxina acaba sendo retida em nosso organismo. Por isso, para aproveitar as propriedades curativas do mel, é muito importante consumi-lo em temperatura ambiente.
O mel também deve ser puro. Infelizmente, é comum vendedores de mel adicionarem xaropes de milho ao produto, a fim de fazê-lo “render mais”. Mas esse tipo de “mel” não traz em si os benefícios do ingrediente puro, ao natural. Então, tenha em mente que o mel puro não se dissolve facilmente na água; ele afunda diretamente. E ele também tem um gosto menos doce e mais adstringente, ou seja, causa aquela sensação de secura na língua.
Mas se você ainda tiver dúvidas, pode fazer um teste simples. Coloque uma colherada de mel em um copo de água quente. Se ele começar a se dissolver mesmo sem você mexer, é porque ele é misturado. Se for preciso você mexer bem para que ele se dissolva, é porque o mel é puro.
O mel puro e os doshas
Como mencionei anteriormente, o mel é um excelente alimento para Kapha dosha. Mas ele também ajuda a acalmar o Vata devido a seu efeito doce pós-digestivo (vipak). Mas não é porque o mel possui propriedades terapêuticas que podemos consumi-lo em qualquer quantidade. Afinal, ele não deixa de ser um doce e possuir qualidades pesadas. É preciso consumir com moderação e buscar sempre aquele mel mais líquido, que, por consequência, está mais jovem.
Quanto mel posso consumir por dia?
De acordo com o Ayurveda, o mel tem propriedade Lekhana – isso pode ser traduzido como “raspando o colesterol”, “útil na obesidade, perda de peso” etc. É por isso que vemos o uso de uma colher de chá de mel junto com água morna, quase em temperatura ambiente, pela manhã, com o estômago vazio, como um remédio para perda de peso.
Mas como o mel é doce por natureza, e as substâncias doces trazem consigo qualidades nutritivas. Então não é bom ter excesso de mel, se você tem como objetivo a perda de peso. Portanto, o Ayurveda recomenda o uso de até 4 a 5 colheres de chá de mel por dia. Este é o limite máximo por dia, para um adulto.
Pense no mel puro como um tempero especial que você adicione em suas refeições diárias. Se você exagerar no tempero, pode desequilibrar o sabor da comida, certo? O mesmo com o mel: se você exagerar, vai gerar um desequilíbrio. Então, mantenha em mente a ideia de utilizar esse ingrediente de forma pontual no seu dia a dia. Dessa forma, todos os doshas o aproveitam como alimento nutritivo e rejuvenescedor.
Alternativas ao mel puro
Nós sabemos que o mel puro é fruto do árduo trabalho das abelhas. E que, infelizmente, a ação de muitos humanos têm ameaçado seriamente a vida desses animais tão importantes para a polinização e mesmo a perpetuação da vida. Então busque sempre saber a origem do mel que você compra, se ele é fruto de uma empresa sustentável, que se preocupa com o meio ambiente.
Porém, existem alternativas veganas, livres de exploração animal, com características similares. Uma delas é o açúcar mascavo. O melaço também deve ser considerado. Isso porque ambas as opções também possuem qualidades doces e levemente quentes. O melaço possui uma característica maravilhosa: a de fortalecer nosso sangue. Porém, nenhuma das duas opções tem a mesma capacidade do mel de transportar outras substâncias para dentro dos nossos tecidos. O açúcar mascavo e o melaço ainda acalmam, principalmente o Vata, podendo agravar o Kapha e o Pitta quando em excesso.
Mel e as Gestantes
Não existe uma restrição especifica quanto ao uso do mel pelas gestantes. Neste caso, o Ayurveda observa que o mel, por suas qualidades adstringentes, se torna mais desintoxicante do que nutritivo. Portanto, outros alimentos como o ghee por exemplo, possuem muito mais vantagens em serem consumidos, pois nutrem profundamente os tecidos. Assim, limitar o consumo do mel pode ser uma boa ideia nesse período em que nosso corpo precisa ser mais nutrido do que desintoxicado.
De acordo com Bhojana Kutuhala, (obra sânscrita típica que trata dos princípios da dietética e da arte culinária), “…o mel que está totalmente formado alivia todos os três doshas, remove fadiga do corpo, soluços, etc., melhora a percepção do paladar, promove força e intelecto, melhora a estabilidade mental e virilidade e ajuda a tratar muitas doenças”. (Referência: Rajanighantu)
O mel pode ser tomado com água quente?
De acordo com o Ayurveda, a combinação de mel e água fria é recomendada. Qualquer processo de aquecimento de mel não é saudável. Mesmo na preparação de Chyawanprash, adicionamos o mel somente depois de esfriar.
Então, mel com a dose de 15 a 30 ml de água morna quase em temperatura ambiente, de manhã, com estômago vazio, é bom tomar para aqueles que desejam perder alguns quilinhos ou controlar o colesterol. Mas evite mel com água quente.
Efeitos colaterais do mel e contra-indicações:
- O mel não é recomendado para pessoas com diabetes.
- Quantidades iguais de mel e ghee são incompatíveis e não devem ser consumidas.
- Quantidade igual de mel e óleo de gergelim também é incompatível.
- O mel junto com o ghee, mesmo em proporções desiguais, não deve ser consumido junto com a água.
(Referência: Ashtanga Hrudaya Sutrasthana 7º capítulo)
Dicas de uso segundo o Ayurveda
Agora que eu expliquei as diferentes características desse doce néctar da natureza, vamos aos seus diferentes usos? Sim, porque o mel vai muito além de ser um remédio para a gripe ou simplesmente para adoçar as coisas.
“O mel associado ao suco de limão acalma Vata. Com gengibre e suco de limão estimula o fogo digestivo e aumenta o apetite. Uma formulação de mel com pimenta do reino está indicada na tosse. Para os idosos, utilizamos o mel diariamente como nervino ( acalma o sistema nervoso) e para os olhos. Também auxilia a melhorar a voz e é útil nas dores de garganta.”
(Ref. dr. Anderson Moreira da Rocha).
Quem diria que um alimento tão simples poderia ser, ao mesmo tempo, tão rico. Mas essa é a beleza do Ayurveda: encontrar o que há de bom nas coisas comuns do nosso dia a dia. Então não deixe de acompanhar minha página e participar das próximas turmas do meu curso Guia Definitivo de Alimentação Ayurvédica.
Que a nossa cura seja a cura do mundo.
Nos encontramos nos caminhos do Ayurveda.
Com amor,
Thais.